Muitos começaram sua jornada em lugares muito distantes, incluindo o Brasil.
Muitos migrantes continuam a cruzam a fronteira entre os EUA e o Canadá na região fria de Roxham Road — Foto: BBC
Era um dia de inverno, coberto de neve. A estrada Roxham Road está fria e deserta, quando o silêncio é interrompido pelo som de pneus se aproximando do final da estrada e pelos passos de pedestres sobre a neve.
Cerca de 150 migrantes são deixados todos os dias no final desta estrada rural, no norte do Estado americano de Nova York. Em 2022, 40 mil pessoas cruzaram a fronteira a pé para entrar no Canadá.
Muitos começaram sua jornada em lugares muito distantes, incluindo o Brasil. Eles acreditam que o Canadá é mais receptivo aos imigrantes do que os Estados Unidos e esta estrada remota é a sua linha de chegada.
Roxham Road não é um ponto de fronteira oficial. Não há agentes da alfândega no fim da estrada – apenas policiais que prendem as pessoas que fazem a travessia. Mas o local se tornou um ponto acessível para entrar no Canadá para pedir asilo.
O ano de 2022 marcou um recorde na entrada de imigrantes no Canadá por este caminho. Milhares de pessoas foram atraídas pela reputação do país de ajudar fugitivos de guerras e outros conflitos.
Mas esse fluxo vem gerando cada vez mais frustração nos dois lados da fronteira, aumentando as preocupações sobre a sua segurança e levantando questões sobre o que o futuro reserva para as pessoas que se arriscam nesta jornada.
Roxham Road chamou a atenção do público em 2017, quando os migrantes começaram a cruzar a fronteira naquele ponto em grandes números, fugindo de conflitos e deslocamentos.
Algumas pessoas relacionaram seu aumento súbito de tráfego ao medo de deportação dos Estados Unidos durante o governo Trump e outros, a um tuíte do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, que dizia: “Aos que fogem das perseguições, do terror e das guerras, os canadenses receberão vocês”.
O fluxo de migração pegou as autoridades canadenses de surpresa. O Estádio Olímpico de Montreal, na província canadense de Quebec, precisou ser rapidamente transformado em abrigo para os recém-chegados. O governo federal tentou conter a onda, alertando que a chegada ao Canadá não representava uma autorização automática para permanecer no país.
A pandemia de covid 19 trouxe o fechamento da estrada, devido às medidas sanitárias de emergência criadas pelo governo, mas a procura por um paraíso seguro nunca desapareceu. Milhares de pessoas começaram a chegar novamente em busca de refúgio, quando as medidas foram suspensas, cerca de 16 meses atrás.
Ao mesmo tempo, o governo Biden renovou certas políticas da pandemia da era de Donald Trump, como o Título 42, usado para bloquear a entrada por terra de parte dos migrantes na fronteira entre o México e os Estados Unidos.
Migrantes que falaram com a BBC em Quebec afirmaram que é cada vez maior a percepção de que os Estados Unidos não são um país viável para obter refúgio. Lá, eles sentem que não são bem-vindos e os pedidos de asilo podem muitas vezes levar anos até serem ouvidos.
Joshua chegou a Montreal dois dias depois do Natal. Agora, ele divide um apartamento alugado com outros migrantes, enquanto espera pela resposta ao seu pedido de asilo.
Venezuelano de nascimento, ele sofre perseguição política e seu nome foi alterado para proteger sua identidade. Joshua vivia no exílio no Chile há cinco anos, sem documentos de viagem, quando decidiu fazer a viagem até o Canadá, segundo contou à BBC.
“Outros países não são tão amistosos com imigrantes irregulares”, afirma ele. Mas o Canadá o recebeu, segundo ele.
Por trás do fluxo de migrantes, está um acordo firmado com os Estados Unidos cerca de duas décadas atrás – o Acordo de Terceiro País Seguro – que determina que os migrantes peçam asilo no primeiro país “seguro” em que eles puserem os pés.
Com base no acordo, um migrante vindo dos Estados Unidos seria mandado embora em um ponto de fronteira canadense. Mas Roxham Road é um caminho não oficial e se tornou uma brecha para os migrantes entrarem.
Trudeau negou os pedidos para fechar o cruzamento, indicando que a medida seria inútil. Os milhares de quilômetros de fronteiras sem vigilância entre o Canadá e os Estados Unidos levariam os migrantes a enfrentar perigos, tentando cruzar a fronteira em outro ponto.
Em vez disso, ele se concentrou em renegociar o acordo. Ele espera levantar a questão com Joe Biden durante a visita do presidente americano à capital canadense, Ottawa, no final de março.
Mas o primeiro-ministro enfrenta pressões para agir, pois os novos migrantes estão pressionando os serviços sociais, especialmente em Quebec, onde se instalam muitos dos recém-chegados.
O premiê de Quebec, François Legault, chamou a situação na província de insustentável. Ele afirma que os serviços sociais “chegaram ao limite” e, com isso, alguns migrantes ficaram sem teto.
“É cada vez mais difícil receber os solicitantes de refúgio com dignidade”, disse ele em fevereiro.
Os migrantes também enfrentam um atraso cada vez maior nos pedidos de refúgio, que aumentaram de 56,3 mil em janeiro de 2022 para quase 71 mil em dezembro – um crescimento de 26%.
Agora, o processamento dos pedidos pode levar até dois anos. E cerca de 28% dos pedidos foram rejeitados no ano passado, indicando que não há garantia de sucesso.
Existem também enormes esperas para os vistos de trabalho.
Os migrantes costumavam levar uma semana para conseguir um número de segurança social. Agora, a espera para uma reunião para conseguir o documento de identidade é cerca de dois anos, segundo Maryse Poisson, que trabalha na organização Welcome Collective, que auxilia os recém-chegados a Montreal.
Com isso, muitos migrantes vêm enfrentando dificuldades. Alguns recorreram a bancos de alimentos e outros tipos de apoio social enquanto esperam, segundo as entidades que os auxiliam.
“Alguns deles estão em uma situação na qual precisam aceitar trabalho informal”, afirma Suzanne Taffot, advogada de imigração de Montreal, que ajuda solicitantes de asilo com seus pedidos.
Poisson receia que alguns deles estejam desamparados, sem apoio do governo.
“Estamos muito preocupados com os mais vulneráveis, que têm traumas, que enfrentam muitas barreiras de idioma e que podem não conseguir a ajuda de que precisam”, explica ela.
Fonte:g1